segunda-feira, 21 de abril de 2008

A Foto

Ela suava um suor frio e constante.

Passara por isso mais vezes, oras. Por que é que agora lhe parecia tão difícil?
Apertou os dedos numa tentativa fracassada de transferir a ansiedade para aquele gesto.
O resto de suco quente permanecia na mesa apenas para passar a impressão de que ela ainda estava usando os serviços do estabelecimento. Precisava se convencer de que estava ali por algo mais. Que fosse pelo suco, então!
Continuou parada, mexendo os olhos rapidamente de forma incomodada.
Não , não era incomodo. Era mais que isso, bem mais...
Abaixo dela seu acompanhante se perdia em um sono profundo.
Queria ela encarar a situação assim, com toda essa naturalidade .

Mas não conseguia.
Seria bobeira de sua parte? Uma moça feita, bem empregada sentir aquele friozinho como se milhares de borboletas brincassem de pousar e se afastar de sua barriga?
Não sabia.
Apenas tinha certeza de que aquilo lhe parecia novo diante de todo o resto. Permaneceu calada.
Mexeu nos cabelos de forma nervosa, e o avistou de longe.
Se ajeitou na cadeira dando um ar mais confiante. Puxou o copo para perto de si e encostou os
lábios no canudinho, fingindo apreciar o suco.
Ele, por sua vez, aproximou-se em silêncio e sentou-se de frente para ela.
Sorriu quando a viu levantar os olhos para encará-lo.
Ela permanecia em um misto de tensão e ansiedade.
Concluiu enfim que estivera enganada pela manhã, assim como havia se enganado todos os outros dias desde que o conhecera. Inclinou-se de leve, pronta para concluir a ação, e sentiu aquilo novamente: AGORA SIM estava diante dos mais belos e longos segundos de sua vida, melhores que todos os outros que passara com ele.

Parado abaixo dos dois o acompanhante canino admirava o beijo...aquele mesmo beijo que vira todos os dias nos últimos três anos. O que ele, de fato, nunca enxergaria era a quantidade de borboletas que tomava conta dela cada vez que esse momento mágico se repetia.


P.S: É tudo o que imagino olhando essa imagem ^^


Foto: Henry Cartier Bresson

Para ler ouvindo: Não va embora (Marisa Monte)

sexta-feira, 4 de abril de 2008

Vontade...



Vontade de deitar e acordar só amanhã. Mas de deitar acompanhada, aconchegada, aninhada.

Deve ser o frio. O frio lá fora, o frio aqui dentro. Em toda parte.
Queria só saber como lhe explicar, e ter razão ao falar.mas não.
O medo só é gerado pela certeza do erro.Erro bobo.
Erro feio.
Erro criado, imaginado, planejado e executado.
Nada tem a intensidade que achamos que tem.Por exemplo a mentira. Ela tem pernas curtas e proporções longas.
Eu menti...
E agora entendi a verdade que acabei por arruinar.

Uma certeza chata de que errar não é humano.
A sensação concreta de que a vida é uma peça de teatro que não nos permite ensaios. E eu?
Eu falhei na primeira apresentação.
Agora só me resta acertar na sessão de domingo...





Para ler ouvindo: Paisagem na Janela (Milton Nascimento e Lõ Borges)